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sábado, 26 de setembro de 2015

Entrevista de Moncho Monsalve, em 15/07/2009

Uma das mais reveladoras entrevistas do espanhol Moncho Monsalve sobre a avaliação dele a respeito do que encontrou no Basquete Masculino Brasileiro está na entrevista abaixo.

Frases de destaque:

"Se colocamos o foco nos jogadores de garrafão por exemplo, eu penso que só os Estados Unidos é maior que o Brasil. Na Espanha não temos tantos bons jogadores de garrafão, na Argentina também não, assim como em nenhum país do leste europeu, só nos Estados Unidos."

"Este país é tão grande que encontramos problemas logísticos, quantos valores não perdemos por ano na imensidão do país? Então penso que temos que difundir e melhorar a estrutura do basquete em todo Brasil, criarmos pelo menos um centro de excelência de formação em cada Estado, criarmos um corpo de técnicos voltados para o trabalho com jovens."


A integra da entrevista:

Moncho Monsalve, técnico da Seleção Brasileira masculina adulta, foi um dos palestrantes da Clínica Internacional de Treinadores de Basquetebol, evento realizado na cidade de Barueri pela LNB, All Sport e CBB. Após os trabalhos em Barueri, Moncho falou com o Território LNB.

Logicamente, o assunto principal foi a Seleção Brasileira, a preparação para os torneios amistosos na Europa e, principalmente, para a Copa América, torneio classificatório para o Campeonato Mundial que será disputado na Turquia. Mas o papo não se restringiu à Seleção Brasileira, Moncho também falou da primeira edição do NBB e sobre nosso basquete de uma forma mais ampla. Confira:

Como está sendo a preparação para os torneios amistosos antes da Copa América?
Estamos fazendo algo que já fizemos na Espanha. Em virtude da grande gama jogadores que temos, tanto os do NBB como os do exterior, pensamos que este era o momento para fazermos uma pré seleção com jogadores muito jovens em sua maioria. Deste grupo poderemos tirar alguns jogadores para o trabalho que começa no fim de julho, a preparação para a Copa América que é nosso objetivo principal para este ano. Neste período já deveremos contar com Tiago Splitter, Anderson Varejão, Leandrinho Barbosa, Marcelinho Machado, Alex Garcia, Guilherme Giovannoni e Marcelinho Huertas.

Muita gente questionou a presença do Murilo (Minas) nesta primeira convocação entendendo que ele já é um jogador experimentado e que não precisaria passar por testes. Qual a justificativa pra presença dele neste primeiro grupo?
Também concordo que o Murilo não precisa ser testado. Eu quis que ele participasse deste período de treinamentos porque quero que ele mude sua posição em relação ao que vem jogando no Minas. Pensando no nível internacional, acho que se o Murilo joga na posição 4 ao invés da 5, e terá condições de render muito mais. Por isto ele veio pra esta primeira parte, é um período de adaptação.

Sobre a preparação, muita gente também questionou o fato do grupo principal só começar os trabalhos no fim de julho. Queria que você falasse sobre esta escolha da comissão técnica.
Estes jogadores vem de uma temporada muito desgastante, tanto na Europa, na NBA como no NBB. Eles precisam descansar para que possam estar bem física, técnica e psicologicamente na Copa América. Duda, Baby e Jéfferson, por exemplo, tiveram apenas 2 dias de férias. Não são duas semanas, são somente 2 dias. Eles sabem que estão aqui por um motivo, mas não poderia fazer isto com todo grupo. Outro fator que pesou é a necessidade de dar mais rodagem de jogos e competições internacionais pra esta nova geração. Se pensarmos, de 10 a 20 de julho estes jogadores terão a oportunidade de fazer 7 partidas internacionais, isto é muito importante.

E até aqui, qual a impressão que este jovem grupo de jogadores tem te deixado?
São jogadores jovens de muito futuro. Betinho, Fiorotto, Tavernari, Raulzinho, Cipolini, Paulão, Mineiro. É uma geração muito promissora, jogadores de muito talento e muita garra que, se bem trabalhados, podem levar o basquete brasileiro ao nível mais alto. Necessitam evoluir e ganhar experiência internacional e é disto que estamos tratando ao levar este grupo para os torneios amistosos na Europa.

Tenho ouvido muitos comentários sobre o Lucas Cipolini, da BYU do Havaí. Queria saber se pra você ele é realmente um jogador especial e por quê?
É um atleta realmente especial, extraordinário. Na sua Universidade faz um trabalho incrível, tanto coletiva como individualmente. É um jogador incrível, muito veloz mesmo com seus 2 metros e 6 centímetros de altura e uma capacidade atlética extraordinária. O Cipolini é muito concentrado nos trabalhos diários, tem atitude dentro e fora da quadra e uma enorme generosidade com seus companheiros. É um excelente jogador defensivo, dominante e grande reboteiro. É um jogador de muito potencial que tem tudo pra ter um futuro brilhante no basquete internacional, sem dúvidas um jogador muito interessante, especial.

O que a Espanha fez de diferente dos outros países para alcançar os grandes resultados dos últimos anos e se converter em uma das grandes potências do basquete mundial?
Trabalho e estrutura, nada mais. Estrutura física, política e social. O trabalho dos dirigentes, o trabalho dos técnicos e, claro, o talento dos jogadores. Aliás, mais que o talento, o trabalho. Até porque talento não falta ao Brasil. Se colocamos o foco nos jogadores de garrafão por exemplo, eu penso que só os Estados Unidos é maior que o Brasil. Se você quiser posso te dar o nome de 10, 12 jogadores brasileiros interiores de excelente nível, Nenê, Tiago Splitter, Anderson Varejão, JP Batista, Murilo Becker, Baby, Cipolini, Paulão Prestes, Caio Torres, Teichmann, Mineiro, Fiorotto, entre tantos outros, são todos jogadores de muito valor. Na Espanha não temos tantos bons jogadores de garrafão, na Argentina também não, assim como em nenhum país do leste europeu, só nos Estados Unidos. É verdade que temos que melhorar nas posições 1 e 3, mas o Brasil tem uma geração muito boa, capaz de brigar de igual pra igual com qualquer outro país. Precisamos melhorar nas áreas de organização e estrutura porque dentro de quadra seguramente não falta talento.

Mesmo longe, durante a fase de classificação você recebeu os vídeos dos jogos do NBB. Esteve em quadra em algumas partidas dos playoffs, como você viu o campeonato?
Fantástico! Desde o ano passado venho demonstrando pela imprensa meu apoio à LNB e ao NBB. Acho que a criação da Liga era absolutamente necessária para o basquete brasileiro, este é o momento para o Brasil. Através da LNB e do NBB temos a oportunidade de promover uma grande mudança no basquete brasileiro, uma real mudança na estrutura dos clubes, na política esportiva e nos dirigentes, desde o Ministro dos  Esportes até o Comitê Olímpico Brasileiro.

É claro que todo projeto deve ser pensado a partir da base, mas até que ponto bons resultados da seleção principal podem influenciar este processo de reconstrução do basquete brasileiro?
Acho que muito. O basquete brasileiro tem uma história de muitas glórias e tradição que não se apagam em virtude dos resultados ruins da última década. Acho que o NBB mostrou como o brasileiro gosta deste esporte e uma seleção nacional forte, que brigue de igual pra igual com as grandes equipes do mundo e consiga bons resultados, só vem a ressaltar esta relação entre o povo brasileiro e o basquete. Acho que este processo de reconstrução tende a ganhar força se vencemos a Copa América ou nos classificamos para o Mundial da Turquia. Com certeza os êxitos internacionais – não só da seleção masculina, mas também da feminina – só vem a beneficiar.

Você tem uma história de sucesso trabalhando no basquete de base da Espanha. Como vê o trabalho de base aqui no Brasil?
Sobre o que é feito não posso dizer com propriedade porque não acompanho o dia a dia na base dos clubes, nas seleções menores. Nos últimos anos o Brasil conseguiu alguns bons resultados, 4º em um sub 19, 3º em um sub 15. Este é o momento de investir nos jovens, investir nos jovens jogadores, nos jovens treinadores. Este país é tão grande que encontramos problemas logísticos, quantos valores não perdemos por ano na imensidão do país? Então penso que temos que difundir e melhorar a estrutura do basquete em todo Brasil, criarmos pelo menos um centro de excelência de formação em cada Estado, criarmos um corpo de técnicos voltados para o trabalho com jovens. Tudo isto seria muito importante para que não continuemos a descartar jovens jogadores e jogadoras de 18, 19 anos que – quando chegam a esta idade – se debatem com o fantasma do desemprego e acabam abandonando o esporte prematuramente.

O basquete é um jogo extremamente cerebral. Aqui no Brasil temos problemas estruturais sérios como nação e um dos pontos cruciais desta realidade é nosso sistema educacional extremamente falho e deficitário no ponto de vista de formação. Pra você, até que ponto estes problemas estruturais influenciam a má formação dos nossos atletas, em especial dos nossos jogadores de basquete?
Esta parte da formação educacional, psicológica, formação da capacidade cognitiva, tudo isto é fundamental para o atleta, principalmente para o jogador de basquete já que este é um jogo de tantos detalhes que demanda muita atenção, equilíbrio e concentração dos jogadores. Alguns pela carreira profissional – treinamentos em dois turnos, viagens, jogos – acabam se esquecendo desta parte. Atletas de alto rendimento quase não tem tempo para a família, então às vezes fica realmente difícil investir na formação pessoal. Eu acho que isto é tão importante que em minhas equipes não permito que nenhum jogador fique sem estudar. Se não faz uma faculdade tem que pelo menos estudar um inglês ou qualquer outra língua estrangeira, estudar informática, alguma coisa fora da quadra eles tem que fazer. Esta semana mesmo tive um séria conversa com 3 jogadores que estão na seleção comigo e não fazem nada além de jogar basquete, isto é muito preocupante.

Em suas palestras na Clínica de Barueri você falou bastante nas mudanças nas regras do basquete previstas para o ano que vem. Pra você, qual a mudança prática que as alterações nas regras trarão ao jogo?
Taticamente acho que mudará muito. Tanto a nova zona dos 3 segundos como a alteração da linha dos 3 pontos para 6 metros e 75 centímetros trará muitas mudanças ao jogo. A regra dos 24 segundos e a criação da linha dos 3 pontos, quando inseridas, promoveram grandes mudanças no basquete. Desde aí começaram a jogar com muito pick and roll, o foco do jogo deslocou-se do garrafão para o perímetro e praticamente estabeleceu-se o sistema com apenas 1 jogador interior e 4 perimetrais. Com as novas regras creio que muita coisa mudará.  O jogador da posição 4 por exemplo, terá que ser um grande chutador – inclusive de fora da linha – e um excelente passador. Hoje as grandes equipes perimetrais estão chegando a um aproveitamento de 36%, 37% da linha dos 3 pontos. Agora imagina com a linha em 6 metros e 75 centímetros, o que na prática representa arremessos de 7 metros de distância da cesta. As pessoas acham que é fácil, mas não é. Existem alguns poucos jogadores que podem chutar de 7 metros, Marcelinho Machado pode, Dedé e Jonathan Tavernari também, eles chutam e não passa nada, vão continuar com boas porcentagens de acerto. Mas eles são exceções. Então, pra mim é certo que as alterações nas regras no ano que vem trarão grandes e reais mudanças ao jogo de basquete. E nós treinadores teremos que trabalhar estas mudanças no plano tático e nos trabalhos coletivos e individuais do dia a dia.

Pra finalizar fala um pouco da sua participação na Clínica Internacional de Treinadores de Basquetebol realizada em Barueri pela LNB, All Sport e CBB.
Foi fantástico! Eventos como este são fundamentais para o basquete brasileiro. As palestras foram incríveis, sem falar na oportunidade de juntar tanta gente do basquete – treinadores, jogadores, dirigentes, mídia especializada e interessados – excelente oportunidade pro intercâmbio de idéias e conceitos. Espero que esta tenha sido a primeira de inúmeras clínicas e o passo inicial para o grande sonho mencionado pelo professor Lula Ferreira, a Escola Brasileira de Treinadores de Basquete.

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