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domingo, 12 de abril de 2015

Reflexões para o desenvolvimento do basquete no Brasil

Mais uma vez uma excelente entrevista feita pelo jornalista especializado em basquete Fábio Balassiano, com seu blog Bala na Cesta, no UOL. Publiquei aqui a entrevista que ele fez com o Alberto Bial, pela relevância para a história e o desenvolvimento do basquete brasileiro. Desta vez a entrevista foi com o armador argentino Maxi Stanic, jogador do Palmeiras nas temporadas 2013-14 e 2014-15. O conteúdo, e as reflexões, feitas por ele são extremamente relevantes para quem gosta de pensar o desenvolvimento deste esporte no Brasil.

Palmeiras 2014-2015
Jonathan Luz, Steven Toyloy, Maxi Stanic, Douglas Nenes e Nico Gianella 


Eis a integra da entrevista, publicada em 12 de março de 2015:

BALA NA CESTA: Antes de falar de você especificamente queria que falasse um pouco da temporada do Palmeiras. O Régis Marrelli assumiu pouco antes do NBB, vocês têm conseguido ganhar em casa, mas fora do Palestra os resultados não têm vindo. Qual a sua análise da campanha de 11-14 até agora?
MAXI STANIC: A temporada tem sido boa. Poderia ser melhor, claro. A gente começou jogando bem fora de casa mas não conseguia ganhar. E agora os últimos jogos fomos mal. A partida contra o Paulistano teve muitas coisas particulares. A gente tem conseguido atuar bem em casa, onde ficamos muito confortáveis. Infelizmente tivemos lesões que nos afetam muito. O (ala) Diego faz muita falta.

BNC: Houve dois casos seus que me chamaram a atenção. Um contra o Minas e outro contra o Paulistano. Contra o Minas a arbitragem supostamente errou, você reclamou muito, foi expulso e suspenso. Ato contínuo, você utilizou as redes sociais e pediu desculpas, no que considerei uma atitude bem bonita. Contra o Paulistano você foi claramente atingido pelo Jeff Agba, o repórter veio lhe perguntar e, de novo em uma cena bastante elogiável, você preferiu não colocar a culpa no rival. Você lembra bem disso, certo?
MAXI STANIC: Ah, faz parte do jogo, faz parte do esporte. São coisas que acontecem. Contra o Minas errei, fui expulso, suspenso, pedi desculpas, paguei meu equívoco e a vida que segue. O lance com o Agba é de jogo. E acabou. A Liga Nacional de Basquete está crescendo muito, o nível está ótimo. Você veja: podemos ter a segunda final seguida de Liga das Américas com times brasileiros agora (Flamengo x Bauru), ano passado já tivemos uma (Flamengo x Pinheiros) e o Brasil pode ganhar o terceiro título continental seguido. Isso mostra como as coisas têm sido bem feitas por aqui. É um momento impressionante do basquete brasileiro apesar de a LNB ainda ser muito nova.

BNC: Você é um jogador de 36 anos e chama a atenção a sua identificação com o Palmeiras. Chegou ano passado, jogou o final da fase de classificação pelo clube, teve propostas maiores para esta temporada e decidiu ficar. Consegue descrever o que passou com você no alviverde?
MAXI STANIC: No Palmeiras eu reencontrei a felicidade de jogar basquete. Tão simples quanto isso e quase que de forma instantânea. Na temporada passada fiquei três meses no clube e parecia que estava há uma vida no clube. Quando você tem família e ela (família) se adapta rápido em um local, em uma cidade, tudo fica mais fácil. E foi o que aconteceu conosco. No Palmeiras me sinto em casa com todos – diretoria, torcida, técnicos, funcionários. No final da temporada passada a torcida criou uma campanha chamada “Fica, Maxi”, e eu me emocionei muito. Tentava entender como aquilo estava acontecendo, o motivo de todos terem gostado de mim tão rápido, e não encontrava razão. Achei aquilo lindo, achei maravilhoso o carinho que todos estavam tendo por mim. Isso também ajudou que eu voltasse ao clube.

BNC: Foi, então, basicamente pela torcida que você voltou ao clube para a temporada 2014/2015?
MAXI STANIC: A torcida contou e pesou muito, mas a diretoria tem sido maravilhosa comigo e minha família desde que pisei no Brasil. Para você ter uma ideia, quando coloquei a camisa do Palmeiras pela primeira vez não passou um mês e eles me chamaram para renovar o contrato para esta temporada. Algo raríssimo e que mostra um respeito muito grande. Na minha situação atual, estar em um lugar em que minha família se sinta bem é fundamental para mim. No começo da temporada 2014/2015 a diretoria me procurou para renovar para 2015/2016. De cara disse que não, que precisaria voltar para a Argentina. Mas sabe como é. O tempo foi passando, o carinho foi aumentando e agora eles me fazem a mesma pergunta e eu respondo que não sei (risos). Sou muito feliz aqui.

BNC: A maneira como você chegou ao Palmeiras, meio que depois de uma desilusão, contribui para este amor pelo clube ser assim tão grande?
MAXI STANIC: Provavelmente sim, mas é algo totalmente irracional, pois se você pensar bem estou completando um ano de casa agora. Foi assim. Voltei para a Argentina em 2011, joguei dois anos no Boca e aí teve uma história engraçada. Fui contratado pelo Verona para a temporada 2013/2014. Já estava tudo certo. Eu treinando sozinho na Argentina, vendo escolas para as crianças. Tudo tranquilo, até que um dia meu empresário me ligou dizendo que o negócio havia sido cancelado. Foi um choque, e eu disse: “Sabe de uma coisa, então parei de jogar”. Estava cansado daquilo, estava sem a menor paciência de passar pelos mesmos problemas novamente. Fiquei 20, 25 dias em casa até que o técnico do Obras, Silvio Santander (atualmente no Quimsa), contra quem eu joguei e que me conhece há 25 anos, me ligou e chamou para treinar com a equipe. Era um grupo jovem, e ele disse que precisava de alguém experiente para ajudar a molecada. Fui, treinava um dia, faltava o outro, mas para mim aquilo ali já estava encerrado. Não queria mais jogar. Mas fui convencido, a liga argentina começava no início de outubro e decidi ir ficando até o final do ano. Joguei bem, ficamos em quarto lugar, só que não tinha muita cabeça para aquela situação. Até que saí e vim para o Palmeiras. Do primeiro momento que pisei ao clube até hoje só tenho memórias lindas, momentos felizes. É algo indescritível mesmo.

BNC: No Brasil, o que mais lhe fascina?
MAXI STANIC: Eu gosto como o brasileiro vive a vida. Todo mundo tem problema, preocupações, mas o brasileiro parece sempre estar contente, com um sorriso no rosto. Acho que vocês devem ter problema, stress, mas não demonstram. E isso é lindo. Só sinto falta da família, dos amigos, do churrasco com os amigos.

BNC: Você falou sobre a Liga Nacional, que é recente mesmo (criada há sete anos). A Liga Argentina (também LNB) é mais antiga, tem mais de 25 anos. Quais as diferenças entre as duas ligas? O Brasil hoje está economicamente um pouco melhor que a Argentina…
MAXI STANIC: (me interrompendo) Um pouco, não. Muito melhor. Sei que há muitos problemas por aqui, mas está bem melhor que na Argentina…

BNC: (Risos) É, sim…
MAXI STANIC: Mas, bem, o NBB está começando e tem muita coisa para melhorar em infraestrutura, marketing, essas coisas. Acredito que essas melhorias virão com o tempo. Na Argentina já estão há mais de 25 anos e algumas coisas já fizeram antes. Aqui se viaja menos porque há muitos times de São Paulo e faz-se mais viagens de avião. No final da temporada a quilometragem percorrida por cada equipe é menor e isso faz uma diferença brutal para os atletas. Não parece, mas faz. No estilo de jogo também há diferenças grandes. Na Argentina o estilo é mais lento, cadenciado. Joga-se mais devagar no ataque. Aqui é um pouco mais correria no ataque, mais físico, bem mais atlético. Mas as coisas estão mudando. O Brasil tem ido um pouco para o lado argentino, com mais defesa, mais passes no ataque, um pouco mais de leitura de jogo. E os argentinos têm jogado mais para o lado brasileiro de uns tempos para cá, com mais rapidez no ataque, por exemplo. O Peñarol, de Mar del Plata, foi o primeiro a correr mais que os demais times argentinos. E agora o Quimsa, o melhor clube argentino na temporada, que acelera muito o ritmo. Os placares na Argentina aumentaram muito de um tempo pra cá e isso é reflexo desta mudança.

BNC: Você acha que o jeito que o brasileiro joga transparece um pouco de como o brasileiro é? Por aqui somos mais, digamos, emocionais e o argentino, em todos os aspectos, mais racionais?
MAXI STANIC: Nunca tinha pensado por este lado. Mas para mim a explicação é bem lógica e passa por outro aspecto. O argentino não tem o potencial atlético que o brasileiro tem. Além disso, devido ao trabalho de base, o argentino tem um pouco mais de leitura de jogo desde a infância. E mais entrosamento como time, porque ele sabe que, devido a ausência de potencial físico, se não atuar como uma equipe não terá chance de ganhar de times mais fortes fisicamente. É isso que vejo. O brasileiro tem muito mais qualidade física, e por isso joga da maneira que joga, arriscando mais, essas coisas. É natural isso.

BNC: Essa vitória recente do Brasil contra a Argentina na Copa do Mundo da Espanha em 2014 pode ter sido o começo de um período difícil para os argentinos pois já está chegando ao fim a geração dourada?
MAXI STANIC: É uma coisa que poderia acontecer. E poderia acontecer há alguns anos já. O Brasil chegou melhor ao Mundial de 2014. A Argentina não chegou bem e com muitos desfalques. O poderio do Brasil perto da cesta é incrível, impressionante. E aconteceu. Agora na Argentina é um período difícil, de transição, pois a geração que deu tudo ao nosso país está saindo de cena. É natural, é do esporte, acontece em qualquer modalidade. Precisaremos de tempo, mas o jogador argentino se adapta, aprende rápido. Onde iremos sofrer mais é dentro do garrafão. Temos bons armadores como Campazzo e Laprovittola, alas com mais de dois metros, como é o caso do Marcos Mata, de Franca, mas perto da cesta está difícil sair alguém alto e forte para proteger o aro.

BNC: Sei que você está sendo sincero, mas aqui quero que você seja 200% honesto. Quão difícil é para um argentino ver o responsável pela maior conquista do esporte platense treinar a seleção brasileira de basquete?
MAXI STANIC: (Risos) Putz. Não é fácil. Não é fácil. Mas já faz tantos anos que está na seleção brasileira, muitos jogos contra a Argentina, que já nos acostumamos. Mas na Argentina o Rubén Magnano é o cara que nos levou ao lugar máximo no esporte e terá sempre seu reconhecimento intacto. Ele não foi o cara que começou aquela história, mas o responsável pelo grande salto de qualidade com aquela geração.

BNC: Você tem 36 anos e já está se encaminhando para o final da sua carreira. Tem uma visão de jogo ótima, fala bem, tem ótima liderança. Pensa em ser técnico?
MAXI STANIC: Não, não.

BNC: De cara assim?
MAXI STANIC: (Risos) Não, não. Antes de acontecer isso da Itália eu já estava para parar. Tenho meu Centro de Treinamento especializado em basquete em Buenos Aires e quando parar de atuar quero administrá-lo de maneira mais próxima. Agora eu só penso em seguir jogando, em continuar a ser feliz dentro da quadra. A minha alegria de jogar voltou quando eu passei a atuar no Palmeiras. Sinto-me muito bem aqui.

BNC: Houve algo dentro de quadra que lhe chamou a atenção em relação aos atletas brasileiros?
MAXI STANIC: A minha grande surpresa quando cheguei aqui foi sobre a qualidade que tem o Brasil. O potencial que há por aqui. Estou realmente surpreso quanto a isso. Quando você joga fora você acaba conhecendo de forma superficial. Conhece os caras da seleção, os clubes que jogam os torneios internacionais. Mas quando você atua no país é que vê a realidade. Há caras de 2,05m, 2,10m que sequer entram em quadra, que ficam o banco de reservas. E eu penso: ‘Caramba, imagina um rapaz com esse físico na Argentina. Nós não temos um assim’. E eu vou ver jogos das divisões de base no Palmeiras, vou ver tudo o que é jogo por lá também. É assustadora a quantidade e a qualidade de material humano que há por aqui. Recentemente eu vi uma partida Sub-14 entre Palmeiras e Corinthians e havia um menino de mais de 2m na ala. Na ala! Você tem noção disso? O potencial que há por aqui é impressionante, impressionante mesmo.

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