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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Wlamir Marques, o Diabo Loiro

Um excelente livro da escassa lista literária dedicada a conservar a história do basquete. "Wlamir Marques - O Diabo Loiro", livro de Auri Malveira, publicado em 2013 pela Panda Books. A resenha abaixo foi feita pelo autor para o site "Literatura na Arquibancada". Eis abaixo a integra do excelente texto:
(http://www.literaturanaarquibancada.com/2013/07/wlamir-marques-o-diabo-loiro.html)

A capa do livro

"Se no futebol, esporte número um do país, a literatura esportiva ainda deve muitas biografias sobre alguns de seus maiores ídolos, imaginem nos esportes ditos “amadores”. No basquete, uma verdadeira “lenda viva”, chamado Wlamir Marques, conseguiu, ainda em vida, receber essa homenagem. Não é por acaso que Wlamir já foi considerado por muitos como o “Pelé do basquete”.

O livro “Wlamir Marques – Diabo Loiro” (Panda Books), lançado em 2013, tem autoria de Auri Malveira. Um “autor/torcedor” de Wlamir Marques. O “Diabo Loiro” é paulista de São Vicente, onde começou a jogar basquete no Clube Tumiaru. Foi o maior ídolo em dois dos maiores times da sua época, o XV de Piracicaba e o Corinthians.

Começou a escrever seu nome na galeria dos imortais da Seleção Brasileira quando era ainda bem jovem, aos 16 anos, no Mundial de 1954. Foi aí que acabou “batizado” pela mídia como “Diabo Loiro”.

Wlamir Marques também tornou-se inesquecível além das fronteiras nacionais. A conquista do bicampeonato mundial, em 1959 e 1963, fez de seu nome uma referência mundial. Hoje, Wlamir é comentarista no canal ESPN Brasil.

Literatura na Arquibancada apresenta abaixo, o prefácio emocionante do jornalista José Trajano, e logo a seguir, o texto de apresentação do autor da obra, Auri Malveira.

O ídolo diante de mim
Por José Trajano

Na infância, joguei basquete. Naquela época, década de 1950, os garotos jogavam basquete nos clubes, aprendiam latim na escola e se arriscavam no pingue-pongue, por causa do Biriba. Hoje, quase não se vê garoto jogando basquete, muito menos aprendendo latim. E o computador acabou com a bolinha de celuloide. No esporte, nós, os garotos, tínhamos vários ídolos: Eder Jofre, Adhemar Ferreira da Silva, Maria Esther Bueno, Chico Landi, Manuel dos Santos, Algodão (é bom lembrar que eu morava no Rio, mais precisamente no bairro da Tijuca, ao lado do América Futebol Clube). Além de, é claro, os campeões mundiais de futebol de 1958: Pelé, Garrincha, Beline, Vavá, Gilmar, todos eles. Um ano depois, em 1959, o Brasil também foi campeão mundial de basquete. Foi aí que nasceu para mim, e para os outros moleques da época, um novo ídolo: Wlamir Marques, o Diabo Loiro.

Antes da conquista no Chile, já se ouviam no Rio de Janeiro as façanhas de um fantástico time do interior de São Paulo, o XV de Piracicaba. Time que cometera a ousadia de ganhar do então invencível Flamengo, o decacampeão carioca comandado por Kanela, que contava com o grande Algodão, além de Mário Hermes, Fernando, Valdir, Guguta...Os nomes dos jogadores paulistas corriam de boca em boca. Eu achava Pecente um nome fora do comum. Adorava repetir, Pecente...Pecente. Não havia teipe, e a televisão raramente exibia partidas ao vivo. A gente se informava por meio de revistas e jornais – O Cruzeiro, Manchete, Manchete Esportiva, Revista do Esporte, O Globo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Jornal dos Sports –, que de uma forma ou de outra falavam das proezas do pessoal de Piracicaba.

Quando a Seleção Brasileira, que se preparava para o Mundial de 1963, disputado no Rio, treinou na quadra do América, a mesma que a gente utilizava para jogos e treinos, Wlamir já não era jogador do XV, e sim do Corinthians, outro timaço, ao lado de Rosa Branca e Ubiratan. Mas isso não vem ao caso. O que interessa contar é que, quando vi Wlamir de pertinho, eu debruçado na grade, quase chorei de emoção. De short verde de náilon, dando um jump por cima da cabeça, a imagem era muito forte para um menino que sonhava ser como ele. Diante de um ídolo, a gente treme.

Cresci, toquei minha vida, e a carreira promissora no basquete foi para o vinagre. Ficou o amor pelo esporte, a paixão pelo ídolo. Mas não é que o futuro me reservava uma surpresa absurda, anos e anos depois que o garoto virou homem? O destino nos colocou frente a frente, já faz mais de 15 anos. Eu, como diretor da ESPN Brasil, e ele como comentarista. Tirei-o do sofá da sala, conforme ele mesmo diz. E daí nasceu a amizade entre nós. Bem mais que isso, porém, se é que pode haver coisa mais importante do que uma sólida amizade.

Pude realizar um sonho que poucos conseguem: o de conviver com o ídolo de infância. Aquele loiro genial que encantou o mundo na conquista do bicampeonato mundial, fazendo o Maracanãzinho delirar com maravilhosos jumps e bandejas ao lado de Amaury, e que eu vi lá de cima da arquibancada, ao lado dos colegas do Colégio São Bento, hoje está aqui, na minha frente, ao meu lado. Ele está ao alcance da minha mão. Posso abraçá-lo a hora que quiser.

O que o meu ídolo não sabe é que, no momento em que escrevo este trecho final, estou enxugando as lágrimas, emocionado. Lembro-me do garoto na grade, lembro-me daquele jump pertinho de mim. Lembro-me de como você, Wlamir, me fez feliz.

Obrigado, Diabo Loiro.

Wlamir pelo Corinthians

O ícone
Por Auri Malveira

O personagem aqui retratado foi o mais célebre jogador da história do basquete brasileiro, tendo edificado sua carreira sob o signo das glórias, palavra que no vocabulário do esporte traduz o maior sonho de um esportista. Aos 16 anos, ainda juvenil, notabilizou-se como titular da Seleção Brasileira de adultos; aos 17, foi o fenômeno do II Campeonato Mundial, em 1954, no Rio de Janeiro, o que lhe valeu os batismos de Diabo Loiro e Disco Voador, rótulos que ficaram para sempre indissociados do seu nome. Ao contracenar no palco das quadras com os astros da nossa mais brilhante constelação de jogadores, foi sempre a estrela mais cintilante. Sua estirpe de jogador genial combinava talento e técnica com destreza insuperável, ferramentas que lhe permitiram ser o maior encestador da sua geração e a realizar jogadas estonteantes. O jump, um arremesso que estilizou quando ainda era juvenil, tinha a sua assinatura. Esse ícone tem nome e sobrenome: Wlamir Marques.

Para não poucos que o viram jogar, ele “foi o Pelé do basquete nacional”, e “é fora de dúvida que Pelé no futebol e Wlamir no bola ao cesto constituem-se nas maiores figuras brasileiras...”. Para outros, “foi o mais perfeito jogador brasileiro de todos os tempos”, o “marco do basquete brasileiro, e ainda não apareceu outro igual”; “o mais genial dos alas do basquete mundial”! O ilustre presidente da Federação Internacional de Basquete (Fiba), Willard N. Greim, que o viu jogar no Mundial do Rio, referiu-se a ele dizendo: “por suas atuações, que achei completas, posso afirmar [...] que é um craque como poucos no mundo”.

Naquela competição, era frequente ler na mídia impressa que ele estava “assombrando os técnicos mundiais, com suas atuações em nossa Seleção”, entre eles o norte-americano do All Star Team. Disse ele na ocasião que, com toda a experiência adquirida em anos de trabalho, era capaz de orientar a marcação sobre qualquer jogador já nos primeiros instantes de jogo, mas, em relação a Wlamir, isso era impossível. Confessou estar vivamente impressionado com “o número 5”, que mostrava “uma grande superioridade técnica em relação aos demais jogadores” e “era perfeito em todos os fundamentos, [...] encestava bem de qualquer distância, infiltrava com toda a facilidade, tinha extraordinária impulsão e velocidade. [...] Enfim, era imprevisível e, por isso, impossível dizer como marcá-lo”. Fecho este parágrafo com a transcrição de um parecer de Rosa Branca, que sintetiza todas as declarações acima: “Wlamir e Oscar foram duas lendas. Wlamir era completo. Oscar, para mim, é um arremessador, e Wlamir é um fenômeno”.

Em um de seus momentos singulares em quadra, tornou-se a estrela da noite no mais emblemático jogo internacional de basquete entre dois clubes já realizado no Brasil, Corinthians x Real Madrid, no Ginásio do Parque São Jorge, na década de 1960, não somente por sua atuação espetacular, mas também pelos 51 pontos marcados na partida. Nos Jogos Olímpicos do México, em 1968, cravou seu nome na seleção de jogadores de todos os países participantes, ao lado de dois norte-americanos, um iugoslavo e um soviético.

Na conquista do primeiro título mundial do basquete brasileiro, foi o cestinha e considerado pela mídia o melhor jogador da competição, mas o auge da sua trajetória cravejada de brilho foi alcançado com a conquista do bicampeonato mundial da Seleção Brasileira, em 1963. O Diabo Loiro tornou-se preferência nacional. Some-se a isso o fato de que foi apontado em enquete feita por uma revista especializada em esportes, de São Paulo, como o nono maior atleta brasileiro de todos os tempos, o primeiro na modalidade de basquete. Em um país em que, por razões culturais, a bola jogada com os pés atingiu muito mais notoriedade e definiu a preferência do brasileiro pelo futebol, isso não é pouca coisa.

Ao interagir com sua imensa legião de fãs e plateias do Brasil e do mundo, foi igualmente admirado e idolatrado, não sendo incomum que até os adversários se curvassem ante seus feitos. É de lamentar que a tecnologia das transmissões da mídia eletrônica nas décadas de 1950 e 1960 tenha obscurecido, em boa parte, as conquistas da melhor safra de jogadores brasileiros de todos os tempos, e de Wlamir em particular, por ter sido sua figura mais proeminente. Em que pese tanto brilho, essa geração de ouro se ressente da falta de um acervo de imagens. Um ex-companheiro seu das quadras se diz frustrado pelo fato de que “não pudemos guardar as imagens das magistrais jogadas do Diabo Loiro”.

Nesse sentido, o relógio da história se atrasou e deixou uma sombra no curso da sua trajetória, o que não o impediu de ser empurrado para a glória e ter seu nome imortalizado na galeria do basquete brasileiro. Com toda essa bagagem, e ainda tendo sua figura adornada por olhos azuis e causando invejável atração entre o público feminino, o recatado Wlamir nunca se preocupou em cultivar a imagem de sex symbol.

Ao fechar esta introdução, desejo afirmar que a tentativa de resgatar a importância da figura de Wlamir Marques no contexto do basquete brasileiro me confere indisfarçável orgulho. Com isso, também me sinto honrado em contribuir para que seu nome não fique relegado à franja esquecida da história. Ao reverenciá-lo, quero também prestar-lhe um justo tributo".



Um relato histórico publicado no extinto Blog Giro no Aro, quando seus organizadores, Guilherme Tadeu de Paula e Alfredo de Lauria, pediram um relato a Wlamir Marques sobre as cinco maiores atuações dele numa quadra de basquete. Eis abaixo a resposta, escrita pelo próprio Wlamir: "Os 5 maiores jogos de Wlamir Marques"

Após um pedido, Wlamir Marques me relatou aquelas 5 partidas que ele considera as maiores de sua carreira. São partidas que se confundem com o próprio passado riquíssimo do basquete brasileiro.

"Não é tão fácil encontrar os 5 jogos que marcaram a minha carreira. Sem falsa modéstia foram muito mais do que isso, mas deixei passar a noite e acabei fazendo a seleção. Então, vamos lá: 

Primeiro: Tumiarú de São Vicente 17 x 13 Clube Internacional de Santos

O primeiro foi quando eu estava com 13 para 14 anos (1951) e disputei o meu primeiro campeonato oficial. Naqueles tempos só existiam 2 categorias, infantil e juvenil. Eu era infantil e aquele era o primeiro campeonato realizado pela Liga Santista de Basquete nesta categoria. 

Eu jogava pelo C.R.Tumiarú de São Vicente/SP, onde comecei a minha carreira. Houve um Torneio Início com varias equipes disputando, e isso  ocorreu num domingo de sol no Ginásio do C.A. Atlético Santista. Para encurtar a conversa, no jogo final entre o Tumiarú e o Clube Internacional de Santos, vencemos por 17 x 13 e eu fiz os 17 pontos da minha equipe. 

No dia seguinte saiu uma matéria no jornal A Tribuna de Santos dizendo que não deveriam permitir que eu jogasse no meio daquela garotada. Mas oras, no fim das contas eu também era um garoto. Por que me impediriam de disputar os torneios da minha categoria? Provavelmente o jornalista era pai de algum garoto adversário. Eu nunca mais me mais esqueci disso. 

Segundo: Corinthians 118 x  109 Real Madrid

A seguir, tenho em conta que o melhor jogo que eu realizei individualmente na minha carreira foi jogando pelo Corinthians, contra a famosa equipe do Real Madri da Espanha, naquele ano campeã da Europa. Isso se deu no dia 05 de julho de 1965, no ginásio do Parque São Jorge. Naquela tarde, antes do jogo, tive um ataque alérgico nos olhos ao tomar um remédio contra um forte resfriado. Meus olhos fecharam e com muitas dificuldades enxergava alguma coisa. O médico do clube foi na minha casa, a pedido da minha esposa, e aplicou-me uma injeção anti alérgica. 

À noite, fui para o jogo enxergando relativamente bem. A voz corrente entre os torcedores é que eu não jogaria aquele confronto, mas me coloquei à disposição do técnico e lá fui para o jogo. Afinal, eu era o capitão e jamais deixaria de participar do confronto. Só por curiosidade, o Moncho Monsalve, que recentemente foi técnico da seleção brasileira masculina, participou daquele jogo histórico. Há pouco tempo, ele disse que fez 23 pontos naquele jogo (só de brincadeira eu respondo que não poderia ser verdade, porque nós jamais deixaríamos ele fazer 23 pontos). 

Vencemos por 118 x 109, em um tempo que não havia a linha de 3 pontos e as regras eram outras. Nesse jogo, eu fiz 31 pontos no primeiro tempo e 20 pontos no segundo, total de 51. Por causa disso, algumas pessoas, brincando, até hoje me perguntam: -Wlamir, por que voce caiu de produção no segundo tempo? Dou um sorriso mas não dou a resposta... 

Esse jogo foi o melhor jogo de basquete realizado no Brasil em todos os tempos, quem assistiu nunca mais se esqueceu, e até hoje me perguntam sobre aquela disputa. 

Por fim: os 3 confrontos contra os Estados Unidos

Os outros 3 jogos, por coincidência, foram contra a seleção dos EUA. Um na Itália, por ocasião das Olimpiadas de Roma, quando fiz 26 pontos e perdemos. Nessa ocasião, a seleção norte-americana exerceu uma defesa individual linha da bola, uma novidade à época, exigindo que nós jogássemos na individualidade pura. Essa seleção dos EUA foi uma espécie do dream team universitário, com Oscar Robertson, Jerry West, Jerry Lucas e outros. Logo a seguir, tornaram-se todos famosos jogadores na NBA. 

Outro jogo foi na final do Mundial de 63, no Rio de Janeiro, quando nos sagramos bicampeões mundiais, no Ginásio do Maracananzinho. Foi o meu melhor jogo nessa competição, também com 26 pontos.

Por último, o quinto jogo, também foi contra a seleção norte-americana, que retornava do Mundial no Uruguai em 1967. À convite do Corinthians, no retorno para os EUA, eles pararam na capital paulista para um jogo amistoso a ser disputado no Ginásio do Ibirapuera. Vencemos e, como eu não participei daquele Mundial por desavenças com o técnico Kanela, o técnico norte americano perguntou-me após o jogo : -Porque voce não foi para o mundial? Não respondi...".

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